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quarta-feira, 6 de abril de 2011

we the animals

ontem, fui até o hall buscar água e parei pra ouvir a história que a Gisele começava a contar. era sobre uma cena que ela viu no trabalho, o hospital psiquiátrico São Pedro. lá tem um cara que ficava pelado no pátio, na dele. daí ontem, os caras de branco arrumaram um macacão pra ele, coisa super-segura: as alças davam algumas voltas pelo pescoço, passavam pelas costas e ao redor da barriga e depois eram muitíssimo bem amarradas de volta às costas.
ontem, o cara que sempre ficava na dele se agitou, e apontava pro céu e gritava "vai cair, lá em cima vai cair!" e tentava tirar o macacão.
eu disse:
- se alguém não pode ficar pelado sequer num lugar que teoricamente abriga transgressores da nossa magnífica sociedade, não tá tudo muito errado enquanto todos acreditam que tá certo? é ofensivo um corpo humano sem roupa?
(não é ofensivo quando é o cadáver de um indigente no morgue da universidade)
todos escondem seu medo num outro que pode ser qualquer um.


***


allora, as linhas abaixo foram escritas em 05, 13 e 19 de março de 2009. nessa época eu trabalhava numa empresa from hell (como muitas empresas em qualquer lugar do mundo). trabalhava 9h por dia, ganhava um salário risível e estudava todas as noites.
vocês nunca tiveram a sensação de não poder fazer nada do que se quer fazer onde está? como se o tempo em que você está ali não pudesse existir pra você: você existe para A Empresa, para O Colégio, para A Namorada. eu já senti isso, talvez vocês já tenham sentido.
nessa empresa, a tela do meu computador ficava virada de maneira que umas 20 pessoas podiam ver qualquer coisa que eu fizesse. certa vez, o trabalho do dia já estava feito e abri uma página do word pra notar uma idéia. fui chamada até a sala do Supervisor e repreendida: "é um trabalho que exige atenção, esteja atenta para quando chegar trabalho".
era como se eu não existisse enquanto estivesse na Empresa.
então comprei um caderninho com um porco na capa e escrevi essas linhas durante meu horário de almoço.
andava que nem um zumbi. de manhã cedo pegava um T3 entupido de gente pra ir até a zona norte trabalhar. às 18h eu corria até a parada do T8 pra encontrar meu amigo R. e ir até o Campus do Vale pra chegar sempre atrasada na aula, depois de um trajeto engarrafado de 1h~1h20.
um tempo depois, fiquei muito doente. não conseguia mais caminhar nem sentar nem nada sem sentir muita dor nas costas. fui consultar um médico, e ele pediu uns exames. continuei precisando ir trabalhar e ir na aula, era semana de provas. a dor aumentou. um dia deixei de ir na aula e fui até o hospital. lá, o doutor disse que devia ser algo nos ossos e me deu uma injeção. saí de lá pior, com ainda mais dor. entrei num ônibus e me arrastei até minha casa. no dia seguinte não consegui levantar da cama pra trabalhar, nem no outro. quando os exames ficaram prontos, fui consultar outro médico (pai do meu amigo R.) - que me examinou a ponto de dizer finalmente o que causava a dor.
precisei de uma semana de atestado pra ficar em casa me recuperando na cama.
no dia em que voltei a trabalhar, fui demitida.
então senti como se estivesse parada no meio de uma avenida que nunca vai parar por nada e ninguém faz diferença. e mesmo que eu morresse pelo dinheiro que precisava, seria só mais outra que morreu sem dinheiro nem ninguém que soubesse meu nome pra colocar um anúncio no obituário do jornal.


***

(pra ler ouvindo Angel Dust ou Animals)


***



Cães

Pague um bom salário a alguém. É praticamente infalível. Melhor: junte um bando, dê a cada um deles uma mesa com telefone e computador com internet, dê-lhes uma torta ao final de cada mês e um aperto de mão no dia do aniversário.
Eles serão seus, comprados e com recibinho e tudo. O dono, Dono com letra maiúscula. Dono de seu tempo, de seu amor-próprio.
Eles serão seus e se sentirão felizes em chamar sua atenção.
Cães. Com maços de ordens de serviço na boca ao invés de bolinhas de borracha, cães.
Eles serão fiéis e vigiarão o resto da matilha por você, ficarão à espreita: ao farejar o menor sinal de revolta, correrão e se esfregarão por entre suas pernas com a notícia ainda viva e fresca na boca.
Afague-os então, diga-lhes como é gratificante poder contar com criaturas assim, tão obedientes. Eles se aninharão a seus pés e ali ficarão durante o tempo que você quiser. Eles o idolatrarão, será para eles mais que os outros, mais que humano, um semi-deus. Um humano entre os cães.


Cães na sexta-feira 13

Foi numa sexta-feira à tarde isso. O ambiente já estava calmo, clima de domingo no ar. Robinfon o fuça comprida espreitava por cima dos ombros dos companheiros à procura de uma notícia viva - era o mais algoz dentre os matadores de notícias: matava-as e corria com elas na boca, frescas, e enroscava-se por entre as pernas de seu humano como se estivesse no cio. assim estava Robinfon o fuça comprida; Esteta o seios fartos estava sentado em sua cadeira de rodinhas, rodando em torno de si mesmo para estimular o suor - É saudável pra emagrecer, dizia.
Um dos filhotes aparece na porta, olhos esbugalhados, arfando.
- Achei algo que pode ser útil... um pouco sujo de lama, sinto muitíssimo, mas já tava assim quando encontrei. - disse o filhote
- Oh, tome um biscoito, fofo filhote, pegue o biscoito - isso. Sente-se aqui do meu lado e conte-me tudo, oh sim, tudo! - falou Robinfon o fuça comprida
O filhote segurou o biscoito entre as patas e deixou cair um envelope no chão. Robinfon o fuça comprida o recolheu e cheirou.
- Hum, sim sim, ainda está fresco, fresquíssimo! - constatou Robinfon o fuça comprida
Ao ouvir isso, Esteta o seios fartos parou de girar em torno de si na cadeira de rodinhas e se aproximou um pouco mais do filhote, assim: o filhote sentado numa cadeira, entretido com o biscoito, Robinfon o fuça comprida de pé em frente ao filhote, com as duas patas unidas em frente ao peito, e Esteta o seios fartos ao lado esquerdo de Robinfon o fuça comprida, em sua cadeira de rodinhas.
- Mas ora, veja só isto, veja Esteta: temos aqui alguém perfeito para o próximo sacrifício. - disse Robinfon o fuça comprida
- Deixa pra mim ver aqui, passa isso pra mim que eu quero! - falou Esteta o seios fartos, e num movimento incrivelmente ágil para o seu tamanho abocanhou o envelope
Robinfon o fuça comprida deu uma patada na orelha de Esteta o seios fartos e gritou:
- Seu porco rechonchudo, seu monstrinho, isto aqui não é uma tigela de lavagem e não há motivo para tanta euforia! Olhe só o que aconteceu, seu vermezinho!
Esteta o seios fartos estava com um pedaço do envelope na boca, cuspiu. Voltou para a cadeira de rodinhas.
- Muito bem, acalme-se - isso. Vejamos o que diz aqui: - falou Robinfon o fuça comprida, já recomposto em seus modos dignos e refinados - aqui diz, é uma prova explícita na verdade, a prova de que alguém cometeu um erro. Oh!
- Erro erro erro! Delícia! - disse Esteta o seios fartos e voltou a girar na cadeira de rodinhas
- Eu vou, Esteta, eu vou: fique aqui e apenas observe. - falou Robinfon o fuça comprida
Com o envelope na boca, Robinfon o fuça comprida caminhou mansamente até a porta do humano e pôs-se a arranhá-la. A porta foi aberta. Esfregou-se por entre as pernas do humano e deixou cair o envelope a seus pés. O humano leu atentamente os dizeres contidos no envelope e ao final disso encostou gentilmente a ponta do indicador na fuça de Robinfon o fuça comprida.
E Robinfon o fuça comprida voltou para o meio dos seus: mais uma vez, achara alguém que pudesse ser sacrificado no lugar dos seus ou dele mesmo. Ao menos por enquanto estavam expurgados, não seria dessa vez que pagariam o preço pela vida de cães que escolheram levar.


Eldorado, besouro sem sobrenome

Era um besouro entre os cães, esse Eldorado. Eram muitos cães e Eldorado esperava rosnados e outras coisas mais violentas que cães fazem sem ter motivo. Qualquer movimento e todos o olhavam – era um besouro e muitos cães. É verdade que eram cães de comportamento muito refinado e muito caros, do tipo que obedece mesmo; mas eram cães e ele era um besouro, para todo o sempre desconfiaria das intenções da matilha. tinha certeza de que eles já tinham um plano tramado para o caso de os ventos mudarem de direção.

Ora, ele estava ali para prestar seus serviços, tinha um contrato assinado que garantia sua imunidade e assegurava um relacionamento completamente profissional entre ele e os cães. Eram bons cães! Recostou-se na cadeira e relaxou – eram bons cães. Olhou para o cão sentado na mesa à sua frente, o olhava e estava com o canino esquerdo de fora. Descuido - não era nada além de um descuido. Eldorado não tinha dado nenhum motivo para que os cães o tratassem de forma hostil e eram cães refinados. Bobagem era essa mania de perseguição: eram tempos modernos e civilizados, tudo era fruto de sua imaginação e sabia que os cães seriam incapazes de lhe fazer qualquer coisa.

Da carapaça tirou um copo branco de plástico, foi até o galão de água mineral e o encheu. Voltou com ele na mão, caminhando devagar – o copo estava bem cheio. O ruim de voltar devagar é que sempre se chama mais atenção do que gostaria, e aquele ambiente já era detestável normalmente: caminhar devagar só piorava tudo. Não precisava desviar o olhar do copo para saber que vários pares de olhos deveriam estar-lhe acompanhando cada passo. Passou em frente à mesa de Robinfon o fuça comprida e sentiu um leve tremor a percorrer seu corpo; isso fez com que derramasse algumas gotas da água do copo no piso. Eldorado olhou para o piso e depois para Robinfon: Robinfon o olhava de volta. Ele ouviu, tinha certeza que ouviu um rosnado abafado vindo dele.

Hesitou durante alguns segundos, olhou para o copo. Robinfon o fuça comprida continuava acompanhando seus movimentos, apoiou os cotovelos sobre a mesa e o queixo sobre as duas patas para observá-lo mais atentamente. Num giro rápido de corpo inteiro, Eldorado aproveitou o embalo e jogou a água do copo toda na cara de Robinfon. O ambiente se aquietou; Robinfon passou a pata pela cara, prostrou-se sobre as quatro patas e avançou na direção do besouro. Eldorado não soube explicar por que fizera aquilo e sabia muito menos sobre o que fazer agora. Quando todos os cães começaram a levantar de suas mesas, a carapaça de Eldorado se abriu: há tanto tempo não usava suas asas que havia esquecido que tinha. Voou.

Olhou para trás quando já estava a uma altura segura: Robinfon o fuça comprida estapeava Esteta o seios fartos e o resto dos cães estava reunido em torno da cena fazendo grande alarido e fazendo nada.

Eldorado voaria e faria apenas isso pelo resto da vida: tinha asas.

domingo, 10 de outubro de 2010

Os malucos que encontro por aí

Estava eu no recanto aconchegante da minha cadeira-de-pc quando pensei "- ceva... geladeira" às duas da manhã.
Saí do quarto para caçar correndo o tão sonhado líquido que Deus criou de suas lamentações raivosas. imagino-o com uma barba branca criando algo para satisfazer seus desejos. Foi aí que encontrei o primeiro.
Ele estava rindo. A empatia que eu sentia me fez rir também.
"e aí? qual é que é?"
silêncio. ah, achei que ele não queria me contar.
"achei dinheiro no chão."
Seus olhos brilhantes denunciaram a verdade. Ninguém mentiria tão bem com uma expressão tão verdadeira de gringuice satisfeita. Me apavorei. Gritei, extasiada sem tomar extase, apaixonada pela ideia de encontrar dinheiro sem ter que lutar por ele.
"quanto?"
"oitenta conto!"
e foi aí que ele me contou a história dos conto que agora estou contando aqui. Andava pelas ruas na busca interior que os fumantes fazem cada vez que vão buscar cigarros no exterior. Não tinha um real no bolso, apenas o cartão do banco com saldo de três reais irreais e virtuosos.
"quanto é o cigarro avulso?"
"40 centavos"
"passa cartão?"
"só acima de cinco reais, tchê."
Na sua cabeça uma confusão de ideias pensamentos. Não tenho dinheiro. Mas e o cigarro, amigo? Você precisa fumar! O que fazer? o que fazer? putamerda, que desespero... e agora? saiu de casa na madrugada só pra comprar cigarro e não tem como passar cartão que merda! onde posso passar cartão?? será que lá na outra rua eu consigo? acho que sim, lá passa cartão.. putamerda! mas por que eu não trabalho? que desgraça que sou! que decadência! vou parar de fumar! que merda!
Aí, seus olhos miraram o chão numa tentativa de responder a todas as suas perguntas. E, milagrosamente, o dinheiro estava lá! Na frente do caixa do bar mais trash das redondezas. Estava, simplesmente, lá.
A dúvida!
Pego o dinheiro? Será? mas de quem pode ser? nossa! dinheiro no chão, tá ligado? bah, de quem pode ser? sera que pego? que foda! alguém perdeu.. sim, mas daí não vai se ligar que tá aqui... bah, e se eu não pegar vai ficar pros caras do Tropical, mas que merda! bah, vou pegar... também, eu preciso...
Saiu de lá o garoto feliz, mais feliz do que poderia estar. É como se tivesse sido abençoado com as graças de Calipso.
Comprou uma carteira de cigarros em outro bar-aberto-àquela-hora e foi embora pra tomar aquela ceva comigo e contar a história aos amigos. Rima tosca semi-pobre.
Enquanto a energia do dinheiro contagiava os corredores vazios e silenciosos de nossa casa, glamurosos lamentos artísticos de um jovem ator atormentavam as paredes ao lado. o que foi, rapaz?
e a minha simpatia mais uma vez me fazia ouvir choros de algum conhecido desconhecido. Fodido, o rapaz nos contou (a mim e ao sortudo amigo) que passava pela crise existencial mais foda de sua vida. ele foi o segundo.
e eu tentava puxar papo enquanto a felicidade sumia do rosto do amigo do dinheiro pra quebrar o clime de tensão e morte. Ninguém havia morrido, é claro. Ou sim. Depende do ponto de vista.
E esse conhecido me contou de sua dor interior e seu temor em relação aos outros e ao mundo inserido dentro e fora de seu ser. Despercebido, o primeiro ficou de canto no seu canto de escritório da antiga delegacia onde ele era o xerife nos tempos solitários luminosos.
E bêbado de vinho, Dionísio apareceu no quarto. Teatro, vinho e amor. Os gregos eram foda mesmo.
"eu gosto muito de ti, Sabrina"
"obrigada, eu também gosto de ti, amigow"
Elogios são sempre amorosos quando proferidos por aqueles a quem Dionísio abençoa. E à toa, fiquei ouvindo o cara falar de sua vida e eu pensando na amiga que tinha ido dormir e se ela estava bem.
Por fim, apareceu o terceiro maluco, cuja estória é mais pequena mas só porque falei três minutos só com ele.
Aí, mandei todos irem dormir como se eu tivesse algum poder pra isso. Enfim, durmam, queridos foi o que pensei. E eu vim pra cá pra escrever e me perdi nos pensamentos.
Boa noite.

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Se eu pudesse fazer um plus e já fazendo eu falaria do último que encontrei quando fui escovar os dentes depois de já ter postado o post. Na verdade não foi nada de mais, era só um comentário.
Já não sei quem é maluco ou não. Pra mim, todos parecem ser agora.
O que faz alguém acordar só pra escovar os dentes na madrugada e depois voltar a dormir?
A Literatura compreende o real e o irreal. Os doidos e os normais, se é que eles existem.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Amigows

Manuela caminhava pela vida quando a amiga Frida lhe parou: - Tem tempo pra falar?
- Ora, por que não? Entre aí então e senta-te no carpete.A amiga Frida tirou da bolsa um baseado do tamanho do mundo e acendeu-o fazendo uma cara de pateta.
- Eu joguei fora todos os meus cigarros.
- De novo, Frida?- Sim, e agora não fumarei mais.
Manuela passou um café na meia da freira e ficou fumando o fumo da infeliz Frida-frita. Ela lhe fez observações e elas deram as mãos, concordando que dias melhores hão de vir.
Ao cabo que se fez a hora, Frida foi-se embora, sorrindo bem mais feliz.
- A amizade é coisa estranha. - pensa Manuela - Ela existe mesmo que não se faça nada.

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Queria me desculpar por não ter postado tirinhas melhores, mas aprendi neste fim de semana que não devemos nos desculpar muito se não atrasaremos a conclusão do mestrado.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

TEXAS SUCKS

TEXAS SUCKS é o blog do Ismael Caneppele.
Ele é autor do livro e co-roteirista do filme Os Famosos e os Duendes da Morte. O texto abaixo é dele.


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IT’S GONNA TAKE A LOT OF LOVE

agora você dorme no quarto. Na sala roda nashvile skyline, o disco do Dylan que compramos ontem à tarde. Os termômetros do seu corpo começam a baixar à medida que a volta para casa se anuncia. Você abre os olhos e se arrepende por todas as coisas que não fizemos aqui e depois diz que sente saudade de nós dois deitados na cama da nossa casa. eu não sei em que cidade exata fica a nossa casa. prefiro desconhecer a longitude do nosso conforto para continuar viajando à procura de um nós que ainda não ousamos conhecer. Casamentos também foram feitos para terminar. Depois você abre os olhos e pergunta se eu preferia ter saído a ter ficado cuidando de você e eu digo que não. Nada nessa cidade me interessa e eu prefiro contar os dias antes de ir embora. pelo menos compramos uma vitrola portátil o que significa que, de hoje em diante, nunca mais viajaremos sem nossos discos. Você abre os olhos e dentro deles habita o cansaço dos hospitais, dos remédios, dos efeitos colaterais manchando a pele branca do seu rosto. eu sorrio e digo que vai passar. Você esfrega a palma das mãos sobre o tecido gasto da calça jeans e confessa, olhando para o chão, que um pouco de você também deve morrer nessa cidade. as pedras acumuladas dentro dos seus rins ficarão para sempre aqui, vagando pelos encanamentos da ilha. O calor na sua testa ficará aqui, tatuado nos travesseiros desse apartamento em wall street court. hoje seus olhos mal conseguiram abrir quando me perguntaram se eu preferia estar sem você. Seus ouvidos não escutaram quando meus olhos disseram que não.

Os dias tem sido uma espécie estranha de espera para que algo termine ou para que algo comece a acontecer. Algo que lutamos todos os dias para terminar a tempo ou algo que precisamos começar de uma vez por todas. Um casamento recente ou uma amizade de muitos anos. É preciso se perguntar todos os dias, sempre um pouco mais, se ainda faz algum sentido continuarmos existindo. É preciso abrir, todos os dias, as janelas desse décimo primeiro andar. Escreva cem vezes “a queda nao doerá” e salte sem medo de sobreviver. Fatalidades acontecem, você me disse uma vez, deitada na cama daquele hospital de lajeado com os dois pulsos enfaixados olhando para o chão. Hoje estamos aqui. Sempre que o metrô atravessa o túnel sob o rio Hudson, você pega na minha mão e eu procuro, sem que você note, pelas cicatrizes nos seus punhos. Só para ter certeza de que ainda precisamos estar juntos. Só para ter certeza de que você ainda é você. Você olha nos meus olhos e eu tento encontrar por onde você foge de mim. Você diz que não saberia viver sem me chamar de nós. você me agradece por eu continuar existindo e eu digo “de nada” para não gritar “foda-se eu”.

Você levanta. Come uma granola com iogurte. Depois vira o disco para mim. me pergunta que horas são só para lembrar de que talvez eu devesse estar deitado com você. Monitorando seus batimentos cardíacos. Calculando quantos graus seu sangue ferveu na última meia hora. Quando vira o disco você percebe que, do outro lado do vidro, existe um rio. Você comenta que a cidade está bonita do outro lado da ponte. Você intui que a vida aconteça em algum lugar longe dessa ilha. Manhatan, estamos cansados de você. A febre do seu corpo está baixando, pelo menos. Pelo menos tranquei as janelas do nosso quarto. Não adianta aumentar o volume do toca-discos, eu te escutarei tentando cair. O peso dos seus passos atravessando o corredor anunciam que nem tudo está perdido. Pelos menos você não notou o copo de vinho do lado do meu computador. Pelo menos você não notou que já estou bêbado. Pelo menos você não sabe que logo iremos partir. pelo menos você não sabe. há conforto na ignorância sobre os diagnósticos.

Ecce homo (por Tuane Eggers)

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Para quem precisa partir

Acordei no meio da noite com o bater da janela escancarada. Estava de tal forma aninhado contra a parede que o cobertor amontoou-se sobre meu peito; levantei da cama sufocado e suado. Lá fora relampejava, e podia ouvir ao longe o silvar da tempestade que se aproximava. Eram 4:33 da madrugada. Na cama do canto, meu colega de quarto dormia tranqüilamente.
Estava apanhando a camiseta para ir até o banheiro quando ouvi passos no corredor. Receei sair imediatamente; esperei até que só pudesse ouvir o barulho dos carros-zumbis da madrugada na avenida cheia de luz que clareava o lixo e as feridas e as coisas que se escondem sob o azul poluído do dia. Sempre tive medo das criaturas da noite e ainda tenho, mesmo com todos esses 26 anos que acumulei. Abri devagar a porta do quarto - uma tentativa inútil de abafar o som da dobradiça enferrujada. O ranger da porta fez com que meu colega rolasse na cama e balbuciasse
- Preciso ir.
- Como? - perguntei
e não obtive resposta. As luzes do corredor estavam todas apagadas, o ar gelado e impessoal como o de um hospital, só que escuro; hospitais são doentiamente brancos, bem sei, mas ali naquela casa os corredores pareciam sempre úmidos e escuros - mesmo com as lâmpadas fluorescentes. Eu caminhava cautelosamente, tateando a passos cegos pelo escuro. Mesmo frio, mesmo sem camiseta, eu continuava suando;
lambi o suor que escorria pelo meu pulso: era ácido. Nesse momento alguém passou rapidamente por mim, silencioso como um gato. Não consegui reconhecer o vulto que se afastava na escuridão; parou a alguns metros e voltou-se em minha direção: era uma garota.
Continuei caminhando, e ela seguiu em frente; adiante, parou para verificar se eu ainda a estava acompanhando.
Aproximei-me dela, parada em frente aos elevadores do hall, e distingui em seu rosto pálido o brilho de dois olhos negros. Por poucos instantes a encarei; ela sustentou meu olhar até o fundo, impassível, para depois desviar e começar a descer os degraus da escada.
Não a conhecia, e portanto resolvi não segui-la. Fui até a sacada, e constatei surpreso que o maço de Marlboro e o isqueiro estavam no bolso da calça de moletom. Sentei numa das cadeiras e acendi um cigarro. Traguei a fumaça artificial e nauseante e traguei de novo e de novo para que a nicotina começasse a me amolecer. Não sinto um prazer genuíno, de carne e vício, no cigarro - mas fumo há alguns anos. desconfio que afeiçoei-me ao isolamento da fumaça dançante e à sinfonia solitária do cigarro, ao tempo virando fumaça; desconfio que gostei disso e fui continuando.
Fixei o olhar num ponto além do véu azul que cobria a sacada e empesteava minha visão, na lâmpada acesa do outro lado da rua; logo, via refletido na tela azul o brilho dos olhos que há pouco me haviam fitado à beira das escadas. O vento gelado já havia secado o suor do meu corpo. Senti o coração acelerado, e a lembrança da garota e de seu olhar mudo me inquietava. Olhei em direção à escadaria, esperando sem muita esperança que ela pudesse ter estado ali o tempo todo a me observar, ou que estivesse voltando para dizer alguma coisa na cumplicidade do silêncio escuro da madrugada.
Pus-me a traçar mentalmente o trajeto de volta ao quarto,
tentando imaginar o caminho que ela poderia ter feito,
querendo entender de onde teria surgido. Vi-me abrindo a porta, depois deitado sob o cobertor suado, revirando-me em sonhos de terras longe demais, e a vi ao meu lado, parada, os olhos negros e profundos como o universo. E diante de mim ressurgiu o sonho, que agora parecia-me familiar como se eu o tivesse sonhado desde sempre e o pudesse tocar e dançar - sempre com ela ao meu lado. Vi-a sentada ao meu lado num banco de pedra, apontando para uma árvore solitária em meio ao capinzal da planície; o vento fazia com que os capins dançassem e formassem ondas de
verde em fúria aplacada pelo
azul do céu. Sem falar nada, levantou e saiu correndo em direção à árvore. Rodopiou e saltitou em meio ao verde-infinito, e lá do meio gritou
- Veja como o azul e o verde se fundem após a árvore: você é meu azul.
Corri até a árvore para encontrá-la sentada sobre uma raiz gigantesca. Olhava para além de mim; em silêncio, apontou: o lugar onde estivemos sucumbia às labaredas do fogo devorador de capim. Senti o calor do fogo e meu corpo todo se aqueceu. quando olhei para ela, os olhos negros eram cheios de compreensão velada, e eu a quis e soube que ela também me queria. Ergueu-se e veio até mim, a boca entreaberta cheia
das coisas que tinha imaginado durante toda a existência e calado,
das coisas que sentia no fundo da alma,
a boca vermelha e os olhos negros. Empurrou-me para o chão e subiu no meu colo,
a boca vermelha e quente junto à minha,
sendo a minha,
sendo eu mesmo como nunca havia sido até então,
estando ali por inteiro sob o peso do universo infinito daqueles olhos que se fechavam, cúmplices meus.
Afastou-se de mim e disse
- Preciso partir.
Ouvi uma sinfonia vinda de longe; olhei em seus olhos e vi a luz do sol a brilhar. Ela apontou para o lugar de onde viemos, e outra vez disse
- Preciso partir.
As chamas estavam próximas demais e me faziam suar.
Abri os olhos e estava na sacada, o vento frio arrepiando minha pele e espalhando em gotículas a chuva fraca que antecede as tempestades. O barulho de vassoura dos garis na avenida vazia me fez voltar à realidade, mas a lembrança do sonho me fez estremecer. Já não sabia se tinha sonhado tudo e chegara até a sacada sonambulando, trêmulo em febre de inverno, ou se havia mesmo encarado tais olhos negros.
Olhei para o corredor vazio e escuro: tive medo de voltar para o quarto. e também não queria o branco opressor das lâmpadas. Caminhei lentamente até a escadaria e desci um lance.

Ela estava parada na sacada do 4º andar, contemplando as árvores da rua. Aproximei-me, cada passo medido cautelosamente, o suor brotando nas têmporas. Parei ao seu lado e toquei-lhe o ombro. Ela se esquivou, mas virou o rosto para olhar em meus olhos. e naqueles olhos negros vi que partilhávamos o mesmo mundo de medos e dores e cores. e quis lhe falar sobre as coisas todas, mas nenhuma palavra foi capaz de alcançar a imensidão disso tudo.
- Preciso partir. - ela disse.
Peguei sua mão: estava gelada e macia, e apertou forte de volta.
- Partir para onde? Qual é seu nome? - perguntei.
- Luiem é meu nome. Preciso partir. Há um peso que me persegue; algo que já foi, mas ainda atormenta e desfaz cada sorriso meu. Estive sonhando com você por muito tempo, e gostaria de poder ficar em cada sonho que estive, mas preciso partir.
Desvencilhou-se de minhas mãos e correu para desaparecer nas sombras da escadaria. Desci o mais rápido que pude até o 3º andar, procurei na sacada e no corredor - em vão. Fui até o outro andar e também não a encontrei, e por fim cheguei à portaria. Da salinha envidraçada o segurança me lançou um olhar interrogativo, e dei-me conta de que assim como estava, a cara amassada e a calça de moletom sem camisa àquela hora da madrugada, deveria estar parecendo um maníaco.

Não sei ao certo quanto tempo se passou desde então. Por vezes, é como se eu morasse nesta casa desde sempre, e desde sempre com Luiem ao meu lado, sentada no sofá do hall, apoiada no balcão da sacada, deitada em minha cama; por vezes, é como se nunca tivesse pertencido verdadeiramente a este lugar e jamais tivesse visto através de seus olhos.
Sonho todas as noites com ela, mas não tenho coragem para sair do quarto durante a madrugada. Por temer as criaturas e o escuro? não. por medo de que ela não exista. Às vezes eu a sinto, como se ela estivesse no quarto ao lado, como se pudesse ouvir sua voz sussurrando no vento antes do temporal. como se pudesse me entender.

sábado, 7 de agosto de 2010

Falta

Falta

Sinto falta de Geovana. Como se tivesse cortado demais a unha do dedão. Sinto que perdi alguma coisa. Isso me incomoda profundamente, embora eu não saiba bem o quê que eu perdi. Mas, eu sei, perdi alguma coisa, supérflua, talvez. O que me invita a esse solilóquio.

Essa solitude incomoda como a costura da minha meia Lupo roçando no lugar onde antes havia essa unha. É o remorso do petit four de graça que eu deixei de comer depois de pagar a conta do almoço. - Tem coco moça? - Tem. porque tinha coco? Eu até gosto de coco, mas não sempre. Geovana nunca foi um docinho-de-coco, muito pelo contrário, era um caldo forte, apimentado, gorduroso, que eu comia até me lambuzar, ao menos no começo. Depois tudo ficou frio e banal. Conversas previsíveis, sexo previsível. E eu sorumbático andando pela casa. Mas eu amava. Justamente quando tudo esfriou e ficou uma merda o amor apareceu. Alias, o amor consiste justamente nisso: ser infeliz a dois com pouco sexo e um monte de brigas previsíveis e contingentes. Ela conhecia os meus imperativos categóricos e sempre vinha com um relativismo moral barato à contrapor. Ou era o contrário? Fato é que quando a raison d’etat do nosso relacionamento passou a ser calar e comer-o-seu-jantar eu fiquei feliz e até pensei: vamos ter uma longa e morna vida juntos como toda a cadeia pretérita de nossa árvore genealógica da qual, agora, eu toma meu lugar, por direto e mérito. Essa infelicidade era pertinente pois agora eu podia me considerar uma pessoa completamente normal: casado, ganhando pouco, sem perspectivas para o futuro. Eu me sentia no total controle da minha vida com Geovana, TV a cabo e Internet Banda larga: O mundo é dos Nets.

Mas alguma coisa mudou num dia depois de sua terapia, a verdade auto-evidente “é melhor se sofrer junto que viver feliz sozinho” viu-se minada. Geovana cometeu o mais velho dos crimes da humanidade, perguntar-se “Porquê?” Daí foi pouco ao iniciarmos mais um dos nossos diálogos platônicos que, evidentemente, resultaria nas bem conhecidas e rotineiras aporias, mas não dessa vez. Minha bonne foi acabou e mandei tudo pra puta-que-o-pariu. Brigamos feio e foi ai, nesse dia mesmo, que percebi que havia perdido alguma coisa. Geovana não era mais a mesma, alguma coisa em seu âmago havia mudado e eu não sabia mais onde estava. não sabia mais quem eu era nos entremeios psicológicos dos seus complexos, de repente, eu não era mais o seu superego. O nosso Yin-Yang tinha acabou.

Mas sinto a falta de Geovana e nãonada no mundo que remedia isso. Nem um strip da Samanta do Coiote. Nem uma barra de Hershey’s pra mim. Nem Pavese, nem Drummond, nem Nietzsche. Nem nada. Me sinto inteiramente , com essa ausência. E todas as coisas me parece iguais, se repetindo, se repetindo... E todas elas me lembram Geovana no esquecimento que é olhar para elas e me deixar levar por qualquer pensamento casual, ou não, que me ocorra. Ando de madrugada pelas ruas vazias e meus passos fazem um barulho que ecoa pelas casas da vizinhança, parecendo o bater de um estranho e gigantesco relógio, como o da Catedral. Minhas mãos vão frias e sozinhas. Eu sei, esse relógio enorme e impertinente sou eu, girando sem sair do lugar.

faz um ano que eu sinto a falta de Geovana. Não como antes e, provavelmente, não será assim depois. Embora eu veja Geovana no corte chanel da mina do café perto do trabalho e tenha desenvolvido uma predileção exacerbada por cantoras de Jazz. No entanto, a insistência do seu signo faz com que ele se esgarce, vai ficando embotado, sumindo, aos poucos. Mas um dia você será para mim exatamente como essa unha? Que eu corto e que, embora eu sinta falta agora, daqui trinta segundos eu nem sequer vou conseguir lembrar que existiu? Fico eu a me perguntar. Mas isso não vai crescer novamente? Não terei eu que cortar essa unha de novo? E de novo? E de novo? Nesse eterno retorno queratinoso? Independente da minha vontade essa unha vai continuar crescendo e encravando, sempre?

quasebem

Caros vizinhos,
o post de hoje é de autoria da Fran.
Atualmente ela tem dois blogs,
e aparece de vez em quando no twitter.

***

quasebem

Antes de entrar na cidade, estaciono o carro, abro a blusa, afasto o curativo (feio, suado, sujo, frio e sem açúcar)
e a ferida no peito está quase bem.
Não voltaria pra casa se ela ainda estivesse sangrando. Não saberia chegar estragada.

Mas sei que se te mostrasse isso aqui, boquinha ínfima de pus cercada de cicatrização por todos os lados,
voce jamais acreditaria que eu morri.
E diria,
"cabeça de ovo, é só uma espinha".

Só por garantia, não vou te mostrar. Qualquer uma das vias seria mentira. Contar ou não o que aconteceu em mim, nada valeria o que há.

"Quero um relato preciso do seu fim-de-semana", voce vai dizer em algum momento de algum dia de alguma semana ainda esse ano.
Eu te contarei sempre uma outra história, uma melhor pra voce gostar de acreditar e esquecer e acreditar. É o que funciona entre nós. Há quem arrume a casa e troque as flores e bata as almofadas e sacuda os tapetes e
perfume os lembretes,
todos os dias de manhã.
Nós contamos histórias melhores de comprar.

Vou começar com "voce não vai acreditar no que me aconteceu".
de outra vez será algo "nao conta pra ninguém". E "tah, mas pelo amordedeus não grite". E "nada demais". E num dia especialmente azul
eu vou começar a história dizendo "ah, na verdade o tempo inteiro eu só pensava em voltar" - pedacinho bem emotivo e irracional do que eu de fato senti.

É início da tarde de um feriado nacional no meio do verão. Dirigindo contra o sol, ilusão de olhos apertados, a rua principal parece um desfile de prédios baixos com cores histéricas em chamas.
Eu sei que o vidro queima mesmo que pareça suportar. Eu sei que há pele nossa nas moléculas de cada vidraça dessa cidade sol demais. Eu sei que tanto faz, fritamos em nós ou acolá.

Paro na mercearia das trigêmeas. Elas sempre assam o pão na hora mais quente do dia.
Estão com as saias levantadas, amarradas em torno da cintura; são muito muito magras e ainda assim suam em bicas. Me pergunto de onde dentro daquelas criaturas secas brotam tanta água. Nas têmporas pequenas cachoeiras.
Enquanto penso no que quero elas discutem - pra variar - o seu nascimento.
-Parece que eu não queria sair;
-Já eu saí cedo demais;
-Me bateram pra eu chorasse;
-Dizem que nasci olhando pra trás.
Até acho bonito que elas se contem e se escutem como se não tivessem estado lá;
como se tivessem anos e milhas de distância,
como se tivessem outros pais.
Todos nós tentando fazer sentido e diferença. Por uma hora, quiçá.
Na dúvida peço cervejas. Sem escolha, a que estiver gelada. Sei que perco um pouco o respeito toda a vez que assumo não ter marcas preferidas, sempre opto pelo conforto. Sei que me perco por ali.

Sigo pra casa com o fardinho gelado no meio das pernas. Nada a ver com prazer, puro sistema de refrigeração. Se o frio circular pelo meio das coxas, subir pela base do corpo, entrar pelos buracos mais óbvios e explodir no umbigo
sei que a cabeça chegará fresca. Me lava e me basta. Lembro que uma amiga falava da síndrome da buceta bêbada. Pra ela não era engraçado; pra mim, me refrescando por baixo e indo pra casa, parece uma boa piada.
Até ouvir Johnny Cash cantando Desperado, indo pra casa, de triste tem nada - you betta let somebody love you before is too late.

Muito antes de ver o telhado da casa e o topo seco dos plátanos que já foram deuses
sinto teu cheiro no ar. Na verdade é o meu suor mudando de salgado pra areia, depois verde.

Passo a curva e passo a ponte e passo o posto e vem a casa. Cercada de terra vermelha por todos os lados. Queria poder dizer que esse não-pátio, que esse vazio de poeira sangrenta tem o meu nome escrito. Mas que nada. Aí não tem nada meu. Como nem as cortinas da casa. Como nem as floreiras tentando criar cactos da varanda. Como nem o que tiver na geladeira. Nada meu.
Só quando estaciono, desço,
te procuro
&
te busco
& te acho - brincando de mangueira ó mulher feita - cercada de lama rubra por todos os lados, como um porco no banhado, só os dentes limpos e no fundo nem mesmo lá,
sua alma suja eu te digo,
e sorrio,
pra que voce possa chegar correndo e me abraçando contaminar o que houver de "puro ódio" em mim.
Suja, suja, monte em mim sua suja - quando termino de falar, já afundei contigo na loucura da terra.
Suas coxas estão geladas, você diz.
"Demorei demais pra chegar. Mas já estou esquentando."
A gente ri. Nunca vou te contar que eu morri e voltei de lá.
-Como foi o seu fim-de-semana?
-Morri e voltei de lá - Digo isso mto séria, como se fosse o curso do rio.
-Eu te amo quando voce mente pra me agitar.
-Mmm - a abraço. Deitadas na poça de lama do fundo das nossas vidas - o que vamos fazer com esse céu?
-Esperá-lo rachar.
Rimos muito mais do que valia a piada.
Todas as janelas da casa explodem porque a gargalhada é solar.

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