quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Coração de estudante

Comprar cigarros é um momento filosófico pra mim. Talvez uma bunda no elevador, uma idéia, um fato catalogável da rua, qualquer coisa. Aconteceu que, descendo o prédio e subindo a João Pessoa, vi aquela menina segurando uma dessas placas com a foto de algum candidato a deputado. Já nem me incomodo mais com essa gente das ruas. Os miseráveis que jogam folders no meu caminho nem os homens-cartaz que andam comprando cabelos, rins e ouro, não. Eles inexistem como os pedintes e os mendigos. Tenho um olhar consideravelmente bem treinado. Eu só dou as moedas. O que me fez ficar com nojo foi que ela estava se segurado na placa, cansada, de cabeça baixa apoiada nas mãos, miúda contra mais um idiota sorridente.

Depois que passei fiquei pensando em falar pra ela, na volta, alguma coisa tão ofensiva quanto minha indignação, como: - guria, se tu não estudar vai ficar a vida inteira aí segurando um pedaço de pau no meio da João pessoa. Decidi não falar, pensei até nas revoluções solitárias de Thoreau e, de tanta solidariedade no coração, quis mandá-la se fuder. Qualquer coisa que fizesse menos amargo o silêncio de passar por ela apenas olhando, com a piedade descendo molhada pelas calças.

Quando quero me incomodar com o mundo é só olhar pra ele, para as ruas e seus parasitas ambulantes: a imensa gorda de cabelo rosa desbotado passeando como um monstro terrestre, a velhinha miúda sendo arrastada por dois puddles, mega-maquiada para a morte e a combinação sensorial macabra do cheiro de frituras com o barulho dos motores. Que esforço relativizar numa tarde quase-chuva! No inverno!

Comprei a carteira com meu melhor “obrigado”. Ah, acender um cigarro pra colorir o tédio, o meu mau humor. Não vou falar nada para essa miserável, pensei. Eu também não vou nada bem. E tenho a certeza triste de que ela não ficou cortejando suicídios como eu. Vai pra casa trepar feliz com o namoradinho. E amanhã, a placa do deputado vai sustentá-la até a noitinha. Enquanto eu só tenho tele-entrega de cocaína. Quem não garante que eu estou de novo jogando meu olhar deformado no mundo, e que ela realmente acredite no Roubaina? Meu deus, quem votaria num nome desses?

Debaixo do viaduto eu já via a cara sorridente do miserável. As perninhas finas dela com o busto desproporcional de um futuro ladrão, se eleito. Um trago mais fundo, por favor. Tenho que fabricar uma indiferença imbatível, pensei. Passei por ela e vi que estava ainda na mesma posição. Me inflamei e ia gritá-la minha frase decorada quando levantou a cabeça e olhou na minha cara, bem no meio da minha perturbação: era uma velha.

4 comentários:

  1. i'm afraid of the cartaz men, Beth, oh help me please!

    "(...) e, de tanta solidariedade no coração, quis mandá-la se fuder." = Carlos Eduardo mode ON

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  2. Vai se foder, miserável! Quando que tu aprendeu a escrever assim?

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  3. Mulher da placa: Olhei para aquele estudante me olhando e pensei..Deve ser mais um desses intelectuaizinhos que vivem enfurnados nesses quartos de 2m².Vota no Robaina moço!

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  4. Mulher da placa: Olha a cara daquele infeliz, puxando a fumaça. Deve ser um estudantezinho drogado, criado por avó que jogava bolinha no tapete e brincava de pipa no ventilador!

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