sábado, 7 de agosto de 2010

Falta

Falta

Sinto falta de Geovana. Como se tivesse cortado demais a unha do dedão. Sinto que perdi alguma coisa. Isso me incomoda profundamente, embora eu não saiba bem o quê que eu perdi. Mas, eu sei, perdi alguma coisa, supérflua, talvez. O que me invita a esse solilóquio.

Essa solitude incomoda como a costura da minha meia Lupo roçando no lugar onde antes havia essa unha. É o remorso do petit four de graça que eu deixei de comer depois de pagar a conta do almoço. - Tem coco moça? - Tem. porque tinha coco? Eu até gosto de coco, mas não sempre. Geovana nunca foi um docinho-de-coco, muito pelo contrário, era um caldo forte, apimentado, gorduroso, que eu comia até me lambuzar, ao menos no começo. Depois tudo ficou frio e banal. Conversas previsíveis, sexo previsível. E eu sorumbático andando pela casa. Mas eu amava. Justamente quando tudo esfriou e ficou uma merda o amor apareceu. Alias, o amor consiste justamente nisso: ser infeliz a dois com pouco sexo e um monte de brigas previsíveis e contingentes. Ela conhecia os meus imperativos categóricos e sempre vinha com um relativismo moral barato à contrapor. Ou era o contrário? Fato é que quando a raison d’etat do nosso relacionamento passou a ser calar e comer-o-seu-jantar eu fiquei feliz e até pensei: vamos ter uma longa e morna vida juntos como toda a cadeia pretérita de nossa árvore genealógica da qual, agora, eu toma meu lugar, por direto e mérito. Essa infelicidade era pertinente pois agora eu podia me considerar uma pessoa completamente normal: casado, ganhando pouco, sem perspectivas para o futuro. Eu me sentia no total controle da minha vida com Geovana, TV a cabo e Internet Banda larga: O mundo é dos Nets.

Mas alguma coisa mudou num dia depois de sua terapia, a verdade auto-evidente “é melhor se sofrer junto que viver feliz sozinho” viu-se minada. Geovana cometeu o mais velho dos crimes da humanidade, perguntar-se “Porquê?” Daí foi pouco ao iniciarmos mais um dos nossos diálogos platônicos que, evidentemente, resultaria nas bem conhecidas e rotineiras aporias, mas não dessa vez. Minha bonne foi acabou e mandei tudo pra puta-que-o-pariu. Brigamos feio e foi ai, nesse dia mesmo, que percebi que havia perdido alguma coisa. Geovana não era mais a mesma, alguma coisa em seu âmago havia mudado e eu não sabia mais onde estava. não sabia mais quem eu era nos entremeios psicológicos dos seus complexos, de repente, eu não era mais o seu superego. O nosso Yin-Yang tinha acabou.

Mas sinto a falta de Geovana e nãonada no mundo que remedia isso. Nem um strip da Samanta do Coiote. Nem uma barra de Hershey’s pra mim. Nem Pavese, nem Drummond, nem Nietzsche. Nem nada. Me sinto inteiramente , com essa ausência. E todas as coisas me parece iguais, se repetindo, se repetindo... E todas elas me lembram Geovana no esquecimento que é olhar para elas e me deixar levar por qualquer pensamento casual, ou não, que me ocorra. Ando de madrugada pelas ruas vazias e meus passos fazem um barulho que ecoa pelas casas da vizinhança, parecendo o bater de um estranho e gigantesco relógio, como o da Catedral. Minhas mãos vão frias e sozinhas. Eu sei, esse relógio enorme e impertinente sou eu, girando sem sair do lugar.

faz um ano que eu sinto a falta de Geovana. Não como antes e, provavelmente, não será assim depois. Embora eu veja Geovana no corte chanel da mina do café perto do trabalho e tenha desenvolvido uma predileção exacerbada por cantoras de Jazz. No entanto, a insistência do seu signo faz com que ele se esgarce, vai ficando embotado, sumindo, aos poucos. Mas um dia você será para mim exatamente como essa unha? Que eu corto e que, embora eu sinta falta agora, daqui trinta segundos eu nem sequer vou conseguir lembrar que existiu? Fico eu a me perguntar. Mas isso não vai crescer novamente? Não terei eu que cortar essa unha de novo? E de novo? E de novo? Nesse eterno retorno queratinoso? Independente da minha vontade essa unha vai continuar crescendo e encravando, sempre?

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