Um e oitenta

Sábado de manhã. Dia de feira. Havia tomado um LSD na tarde de sexta e estava precisando comer algo.
Minha colega estava dormindo. Juntei alguns trocados - tudo o que eu tinha - e saí.
Fui até a padaria da rua ao lado.
- Quanto é o sanduíche de presunto e queijo?
- Um e oitenta.
Pensei: será que compro mesmo? Bom, precisava me alimentar e não tinha comida em casa.
- Me dá um.
- Com margarina?
- É o mesmo preço?
- Sim.
- Ah! Então sim!
Esperei até ela voltar com meu sanduíche, sentei no balcão em frente e comecei a comer.
Tive vontade de tomar um café. Ah, como seria bom um café. Só uma taça pra acompanhar! Um cafézinho!
- Moça, quanto é o café pequeno?
- Um e oitenta.
- Ah, ok.
Mas será possível? Um e oitenta um cafézinho? Se eu gastasse um e oitenta com o café não teria dinheiro para comprar maçãs na feira (e todos sabem o quanto é importante ter maçãs em casa. Elas alimentam, fazem bem e são uma delícia!).
Deixei assim. Fiquei olhando um jogo da seleção brasileira de vôlei na televisão e comendo meu pãozinho. Eu estava quase no fim quando entrou um guri. Da minha idade, pequeno - um pouco mais alto que eu -, magro, com uma toca na cabeça. Estava frio.
- Quanto é o sanduíche de presunto e queijo?
- Um e oitenta.
- Me dá um.
- Mais alguma coisa?
- Hummm... - falou, olhando ao redor - quanto é o café?
- Um e oitenta.
- Tá. Me dá um. Sem açúcar.
Gostei dele. Ele era bem bonito, mas eu estava indo embora. Ele ia sentar do meu lado pra tomar o seu café, se eu ficasse, poderíamos conversar.
Pensei em pedir um café também, para ficar mais tempo na padaria e puxar conversa com o amigo. Mas era um e oitenta! Um e oitenta! É o dinheiro para três almoços! Três! Posso comprar oito maçãs com um e oitenta. Meia coca-cola, um baseado, um pedaço grande de bolo, um pacote de papel-higiênico.
Não, não. Definitivamente eu não tinha dinheiro para o café. Mas o garoto era tão bonito...
Me arrumei, tirei os óculos, ajeitei o cabelo. E se ele me pagasse um café? Eu poderia jogar meu charme, quem sabe funcionasse... já funcionou algumas vezes.
Olhei no espelho. Eu estava bem. Aí, pensei: vale a pena?
Olhei de novo para o garoto. Ele era bonito, jovem, tão miserável quanto eu (supus só pelo fato de estar naquela padaria num sábado frio de final de férias). Qual é a chance de você encontrar o amor de sua vida (ou de seu fim de semana) numa padaria?
Juntei minhas coisas, coloquei os óculos e fui embora. Paguei um e oitenta do sanduíche ao caixa. Acho que não ia rolar nada mesmo e agora eu tenho maçãs pra semana inteira.