sábado, 28 de agosto de 2010

O Enigma de Adamagildo

De galopes pela estrada do sertão de lugar nenhum, vai Adamagildo perseguindo o cumprimento de seu destino: tornar-se o padre-da-cidade.
- Não é lá um destino muito ambicioso, resmungou Adamagildo, carregando a respiração.
- Por causdisso não há de ser dificultoso, completou.

No caminho para a sua gloriosa meta, Adamagildo deparou-se com uma encruzilhada estranha: os dois únicos caminhos possíveis eram exatamente iguais, como se um fosse o reflexo do outro. De um lado, uma estrada de terra que seguia até onde a vista alcança, de outro, outra estrada de terra infindável. Adamagildo, contudo, não percebeu o que estava logo abaixo de seu nariz, diante de seus olhos - alguém. Visivelmente, naturalmente, tinha uma pessoa logo alí e, ao lado desse alguém, uma placa de madeira que continha a seguinte inscrição: "Oi, me chamam de Duas-Caras, pois, ás vezes falo a verdade e ás vezes minto. Você não pode saber quando assumo uma cara ou quando assumo outra cara. Além disso, caro transeunte, como sou de madeira, teimoso como uma porta, e intransigente, só aceito que o senhor faça somente uma pergunta."

Adamagildo adquiriu perplexidade e questionou a si mesmo:
- E agora, razão?
E sentou, apoiou seus cotovelos esfolados em seu joelho, fechou sua aspera mão de unhas amareladas e repousou sua cabeça de jaca amassada sobre suas mãos. Seus olhos contemplavam o horizonte, via tudo e nada ao mesmo tempo, enxergava para dentro, invertia a direção, vasculhava suas entranhas. Matutava, quebrava a caxola, apertava o melão.
Pensou que tinha diante de si a oportunidade de realizar aquilo para o qual sempre se viu induzido. Ser padre-da-cidade, essa era sua sina. Sonhava com o momento de sua redenção. Imaginava-se como o homem encarregado de auxiliar espiritualmente os habitantes da cidade. Ele seria um guia, ele portaria a verdade sobre a vida e a morte, daria conselhos para os aflitos de alma... Não que ele acreditasse mesmo em toda a doutrina. Mas ele sentia, apesar disso, que essa era a vocação pela qual sua vida deveria ser determinada. E, com essa conclusão, pela primeira vez, Adamagildo resolveu recorrer a sabedoria divina:
- Sinhô Jesuis, tô aqui com esse duas-caras - que, aliás, lembra muito aquele teu amigo Judas - e não consigo, de jeito maneira, fazer a pergunta certa. O Sinhô poderia, silenciosamente, me soprar?
E Jesuis, silenciosamente, sentenciou:
- Eu sou o caminho, a verdade e a luz.
E sumiu da imaginação de nosso herói.

Adamagildo, desnorteado e sem saber muito bem o que fazer com a dica divina, resolve, por via das dúvidas, arriscar sua pergunta e colocar em jogo seu destino. Preparado para agir, Adamagildo pergunta para o tal de duas-cara:
- Pra onde Jesuis foi?

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