segunda-feira, 16 de agosto de 2010

TEXAS SUCKS

TEXAS SUCKS é o blog do Ismael Caneppele.
Ele é autor do livro e co-roteirista do filme Os Famosos e os Duendes da Morte. O texto abaixo é dele.


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IT’S GONNA TAKE A LOT OF LOVE

agora você dorme no quarto. Na sala roda nashvile skyline, o disco do Dylan que compramos ontem à tarde. Os termômetros do seu corpo começam a baixar à medida que a volta para casa se anuncia. Você abre os olhos e se arrepende por todas as coisas que não fizemos aqui e depois diz que sente saudade de nós dois deitados na cama da nossa casa. eu não sei em que cidade exata fica a nossa casa. prefiro desconhecer a longitude do nosso conforto para continuar viajando à procura de um nós que ainda não ousamos conhecer. Casamentos também foram feitos para terminar. Depois você abre os olhos e pergunta se eu preferia ter saído a ter ficado cuidando de você e eu digo que não. Nada nessa cidade me interessa e eu prefiro contar os dias antes de ir embora. pelo menos compramos uma vitrola portátil o que significa que, de hoje em diante, nunca mais viajaremos sem nossos discos. Você abre os olhos e dentro deles habita o cansaço dos hospitais, dos remédios, dos efeitos colaterais manchando a pele branca do seu rosto. eu sorrio e digo que vai passar. Você esfrega a palma das mãos sobre o tecido gasto da calça jeans e confessa, olhando para o chão, que um pouco de você também deve morrer nessa cidade. as pedras acumuladas dentro dos seus rins ficarão para sempre aqui, vagando pelos encanamentos da ilha. O calor na sua testa ficará aqui, tatuado nos travesseiros desse apartamento em wall street court. hoje seus olhos mal conseguiram abrir quando me perguntaram se eu preferia estar sem você. Seus ouvidos não escutaram quando meus olhos disseram que não.

Os dias tem sido uma espécie estranha de espera para que algo termine ou para que algo comece a acontecer. Algo que lutamos todos os dias para terminar a tempo ou algo que precisamos começar de uma vez por todas. Um casamento recente ou uma amizade de muitos anos. É preciso se perguntar todos os dias, sempre um pouco mais, se ainda faz algum sentido continuarmos existindo. É preciso abrir, todos os dias, as janelas desse décimo primeiro andar. Escreva cem vezes “a queda nao doerá” e salte sem medo de sobreviver. Fatalidades acontecem, você me disse uma vez, deitada na cama daquele hospital de lajeado com os dois pulsos enfaixados olhando para o chão. Hoje estamos aqui. Sempre que o metrô atravessa o túnel sob o rio Hudson, você pega na minha mão e eu procuro, sem que você note, pelas cicatrizes nos seus punhos. Só para ter certeza de que ainda precisamos estar juntos. Só para ter certeza de que você ainda é você. Você olha nos meus olhos e eu tento encontrar por onde você foge de mim. Você diz que não saberia viver sem me chamar de nós. você me agradece por eu continuar existindo e eu digo “de nada” para não gritar “foda-se eu”.

Você levanta. Come uma granola com iogurte. Depois vira o disco para mim. me pergunta que horas são só para lembrar de que talvez eu devesse estar deitado com você. Monitorando seus batimentos cardíacos. Calculando quantos graus seu sangue ferveu na última meia hora. Quando vira o disco você percebe que, do outro lado do vidro, existe um rio. Você comenta que a cidade está bonita do outro lado da ponte. Você intui que a vida aconteça em algum lugar longe dessa ilha. Manhatan, estamos cansados de você. A febre do seu corpo está baixando, pelo menos. Pelo menos tranquei as janelas do nosso quarto. Não adianta aumentar o volume do toca-discos, eu te escutarei tentando cair. O peso dos seus passos atravessando o corredor anunciam que nem tudo está perdido. Pelos menos você não notou o copo de vinho do lado do meu computador. Pelo menos você não notou que já estou bêbado. Pelo menos você não sabe que logo iremos partir. pelo menos você não sabe. há conforto na ignorância sobre os diagnósticos.

Ecce homo (por Tuane Eggers)

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